Serenidade é a virtude que nasce no fundo do nosso ser. Ela gera em nós uma forma especial de observar as coisas, com mais clareza. Com ela, conseguimos separar os problemas e as preocupações acumulados. Assim, a felicidade aparece.
Mas o que é uma pessoa serena?
Vamos apelar para o dicionário Michaelis.
“É uma pessoa que emana paz de espírito. Os movimentos são brandos. É ponderada. Livre de inquietações. Age com tranquilidade. No seu interior há ordem e harmonia. De atmosfera calma. E delicada aos ouvidos.”
Por acaso você se viu nessa pessoa? Acredito que não. Sem ofensas, mas poucos hoje dominam essa virtude. A agitação do dia, a Internet, WhatsApp, Instagram e outras redes sociais nos obrigam a estar ligados, plugados e fazer dezenas de milhares de coisas simultaneamente. Além disso, somos atormentados pelo fardo desnecessário de sermos bem-sucedidos, e um grande vazio surge em nós. Esse vazio gera agonia e ansiedade e nos leva à frustração.
Para evitar mudanças de humor, turbinamos nosso dia fazendo o máximo de coisas possível. De certo modo funciona. Mas a agitação nos afasta da serenidade. Vivemos grudados na tela do computador ou do celular, e nossos olhos e mentes consomem notícias e diferentes categorias de informação. A mídia dispara sua metralhadora de más notícias o tempo todo. É de aborrecer qualquer um.
Para adicionar um pouco de tempero a toda essa mistura, existe a família. Mãe que não vai ao casamento do filho, pai ausente, irmão brigando com irmão, disputa entre primos etc.
Consequentemente, ser uma pessoa serena é uma missão quase impossível. Só se morássemos no Tibet.
Apesar de tantas adversidades, ainda podemos ser uma pessoa serena, ou pelo menos ter momentos dessa virtude. Admito que não é uma tarefa fácil, porém, não é impossível.
Mas como, Jony?, a seguir você vai me perguntar. Já tentei de tudo: meditação, terapia, viagens de fim de semana, retiros espirituais, e ainda estou grudada na tela do meu celular. Quando recebo uma nova mensagem ou um e-mail, meu dedinho coça até eu ceder, ler e responder. Além disso, eu odeio o tipo de debate acalorado nas redes sociais entre a esquerda e direita, ambos querendo mostrar a nobreza de seus ideais. Isso é muito cansativo. Assim também acontece na minha família. Por exemplo: não falo com minha mãe há seis meses. Por quê? Oh! Toda vez que falamos ao telefone ou nos encontramos, brigamos. Parece haver uma disputa sem fim entre nós. Meu trabalho, além de ficar longe, me desgasta dia após dia. A ingratidão do meu chefe está sempre em minha mente, drenando minha energia e minha vontade de trabalhar. Desde a pandemia, meu pobre marido tem lutado para manter as contas de sua empresa de contabilidade em dia. Tem dificuldade em expressar suas emoções, se fecha como um caramujo. Sem diálogo, nós estamos nos afastando. Alguns dias me sinto tão desesperada que quero deixar tudo e ir… não sei, talvez ir para o Tibete, como sugeriu.
Calma! Eu sei que não é fácil, contudo, jogar todos os problemas de uma vez não resolve nada. Além disso, é muito importante não os misturar em um liquidificador, será muito mais difícil resolver. Sugiro que respire fundo e anote em seu caderno as coisas em sua vida que estão impedindo você de ser calma, pacífica e tranquila. Em seguida, destaque em cores diferentes as prioridades que você adotará para que esses problemas diminuam até você conseguir se livrar da ansiedade ou de parte dela. O importante é desmembrá-los, colocá-los no papel, separá-los — nunca misturar tudo em um saco só — e avançar com calma e sem pressa em direção a solução, seja ela no todo ou parcial
Vamos à nossa historinha.
Sidney é o nosso protagonista de hoje.
A calmaria depois da tempestade está no meio do oceano. Assim, podemos descrever o rosto do nosso herói. Ele é como um monge. De verdade, seu rosto nem sempre foi assim. De fato, nosso herói mudou seu modo de vida após ser devastado. Como disse Mike Tyson, “todos os planos falham quando o primeiro soco atinge a mandíbula”. Nosso herói tomou um golpe desses da vida, tão massivamente, que foi nocauteado por minutos. Sim, isso mesmo: Sidney estava desacordado, e pior, morto por três minutos. Os paramédicos o trouxeram de volta ao mundo.
Sidney trabalhava no mercado financeiro. Ele pesava 100 kg, tinha um percentual de gordura corporal superior a 35% e fumava dois maços de cigarro por dia. Sedentário, a barriga do nosso herói grudava no churrasco nos finais de semana. Cerveja de um lado, picanha do outro e muita conversa. Sidney parecia ser um homem feliz. Esposa, conta bancária gorda, filhos e bons amigos. No entanto, se nos aproximássemos dele, poderíamos ver outra situação: ele odiava seu trabalho, não conseguia se dar bem com sua esposa desde o nascimento de sua filha mais nova e sentia uma dor vulcânica pela falta de propósito. Com tanta adversidade, nosso herói sublimou sua miséria com o vício do cigarro, na carne exagerada, e se largava na cama quanto podia.
A conta veio logo.
No dia do seu aniversário de 40 anos, Sidney acordou como de costume, pegou o telefone, verificou e-mails maliciosos de seu chefe ou clientes rudes, vasculhou as mídias sociais e foi ao banheiro. Merda, é difícil para eu fazer xixi, minha próstata está prestes a ter câncer, ele conversou consigo. Ao passar pela porta do banheiro, ele pensou em sua esposa. Sidney, quantas vezes eu preciso dizer que você dê descarga e abaixe o assento do vaso sanitário? Parece que faz isso de propósito! O amor entre os dois diminuía a cada briga. Realmente, eu não me importo que ela reclame por vezes, pensou. Mas diariamente? É demais… Além do tom de voz, ela parece estar questionando alguém no tribunal.
Sidney concordou com o desejo de sua esposa de modo a evitar problemas em seu aniversário e voltou ao banheiro. Quando chegou perto do vaso sanitário, ele pensou: quer saber, foda-se ela, a tampa ficará levantada e sem descarga. Essa resistência deu-lhe alguma paz de espírito. Mas não durou muito, deitou o assento do vaso e apertou o botão dá água. Nosso herói não tinha medo de sua esposa, ele entrava em pânico quando a via!
No café da manhã, ele recebeu uma carta de seu filho mais velho e um beijo caloroso de sua filha. A esposa também o beijou. Um beijinho, sem graça. Nós não nos beijamos há algum tempo, ele pensou. Realmente, eu nem me lembro quando foi a última vez que nos beijamos de boca aberta, beijo francês. Saudade do tempo desaparecer e deixar espaço ao tesão e desejo.
Sidney chegou à sala das operações financeiras e olhou para os monitores que estavam no teto. Ao ver as linhas vermelhas descendo, ele sentiu uma dor aguda no peito. Ah! Não, coração, você não vai me trair no dia dos meus quarenta anos, ele disse em voz baixa e trêmula.
Desde que entrou no mercado financeiro, Sidney estava convencido de que mais cedo ou mais tarde sofreria, ou um ataque cardíaco, ou um derrame. Seu tio morreu de insuficiência cardíaca, seu pai morreu de derrame e sua mãe está viva, mas teve 3 paradas cardíacas. Ele havia lido em uma importante revista americana que as pessoas que trabalham nos mercados financeiros são bombas-relógios.
Poderia ser hoje o fatídico dia. A amargura veio junto ao seu comentário. Não, eu não quero morrer. A dor no peito ficou tão intensa que nosso herói não aguentou e desmaiou. Ele acordou com uma luz branca no rosto, piscando. Ele voltou a dormir.
Os olhos esbugalhados de sua esposa estavam muito próximos dele quando Sidney acordou grogue. Ela pegou sua mão e disse com uma voz rara e doce: está tudo bem, querido, foi um susto.
Duas artérias em seu coração estavam 60% bloqueadas. Após ouvir três médicos, ele decidiu mudar de cirurgia para medicação. Se não revertesse ou piorasse o bloqueio, ele teria que colocar dois stents.
Traumatizado, nosso herói decidiu mudar completamente sua vida. Nutricionista, perdeu 25 kg, personal trainer, corrida e o principal: largou o emprego, mercado financeiro, tirou um ano de folga.
Durante o ano de folga, Sidney descobriu sua nova profissão: meditação. Ele viajou para o Tibete para estudar a arte da atenção plena e abriu uma escola de meditação. Apenas medite, nada mais, esse era seu mantra aos alunos.
Pode parecer mentira, mas nosso herói faz isso. Hoje, seu semblante, sua calma, seu jeito lento e profundo de falar inspira seus alunos a mudar a perspectiva de suas vidas para um sentido mais moral. No caso de Sidney, o ponto divisor foi quando ele começou a perceber que sua vida estava indo embora. E você? Não espere. Mude! Faça movimentos leves e não traumáticos, mas comece quanto antes, hoje se possível.
Um beijo no coração.